sexta-feira, 16 de maio de 2014

Estradas oferecem bufê de drogas a caminhoneiros

Enquanto alguns caminhoneiros no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina migram para a cocaína, no centro do país, a situação está mais grave. O alerta é do procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campo Grande (MS), Paulo Douglas. Além do crack, os motoristas também estão se valendo de barbitúricos, tóxicos conseguidos mais baratos nas estradas brasileiras. Douglas também é o coordenador nacional para a implantação da Lei do Descanso - ainda em trâmite - no âmbito dos MPTs.
Douglas lembra que, em 2007, ele e sua equipe fizeram uma pesquisa em Rondonópolis (SP), local de passagens de caminhoneiros, vindos de várias regiões do país. Na época, segundo ele, foi detectada a tendência da migração do rebite para a cocaína. "Agora, passados sete anos, a situação está ainda mais crítica", comenta o promotor de Justiça. "Parte dos caminhoneiros está usando drogas mais pesadas, como barbitúricos e crack." A justificativa, no entanto, ainda é a mesma: o cumprimento do horário. Para o promotor de Justiça, a implantação da Lei do Descanso é importante. No entanto, Douglas critica o atual texto, que subverte o que era pretendido na proposta original. "O texto preconiza uma parada de descanso de oito horas", explica. "Esse tempo não dá para o motorista jantar, tomar banho e tudo mais, de uma maneira civilizada", considera.
Douglas ressalta, também, que em um dos artigos da lei está escrito que se não tiver um local com segurança, o caminhoneiro não precisará cumprir a obrigatoriedade de parar para descansar. O motorista poderá seguir em frente e mais adiante, se encontrar algum lugar que considerar seguro, poderá descansar. Outro item é se a carga carregada for viva (gado, galinha), e esta precisar chegar viva ao destino, também não haverá a obrigatoriedade de cumprir o horário regulamentar de descanso.
Para o procurador é evidente que se a viagem não for planejada pela empresa, possivelmente, o motorista estará em local inseguro durante a jornada. O promotor acredita que a lei deve ser prestigiada, até para que locais para o descanso dos caminhoneiros sejam construídos e eles possam parar para descansar. "Quando começar a vigorar a norma (da obrigatoriedade do descanso), acabará sendo criado um nicho de negócios desse tipo", considera. "Se não houver a lei, apenas expectativa, qual o empresário que vai construir um local para parada de caminhoneiros que seja adequado?"
Perigo de morte
Um dos riscos nas estradas, além do leito das rodovias que estão em péssimo estado, são os caminhoneiros que dirigem com sono ou tomam substâncias tóxicas para impedir o sono. Via de regra, os motoristas que ingerem drogas tendem a ficar com os reflexos lentos e mais desatentos quanto à movimentação na estrada.
Os que são obesos têm uma predisposição para sentir sonolência em alguns momentos. Tanto o rebite, que é um remédio inibidor do apetite e que só pode ser comprado com receita médica, e a cocaína, provocam efeitos como esgotamento físico e irritação, o que aumenta muito o risco de que sejam provocados graves acidentes.
Dificuldade de constatar e controlar:
PRF
Segundo o chefe operacional no Rio Grande do Sul da instituição, inspetor Alfonso Willenbring Junior, a identificação de caminhoneiros dopados é muito difícil de comprovar. Não é como o álcool, que o bafômetro acusa o grau de embriaguez. Um dos itens para perceber que o motorista está sob o efeito de uma substância tóxica é observar o seu comportamento, sempre alterado e abusando da velocidade. "Os caminhoneiros, que usam a droga, tomam em um posto. Não carregam consigo."
Fecam
O presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos dos Estados do RS e SC, Éder Dal'Lago, se posicionou contrário ao texto da Lei do Descanso, aprovado pelo Senado. De acordo com ele, os caminhoneiros não encontram locais adequados para descansar, além de não poderem estacionar à beira da estrada ou nos postos da PRF. Em muitos postos, se o caminhoneiro não abastecer, ele não tem a permissão para estacionar. "Aquele caminhoneiro autônomo que toma rebite ou cheira coca, tem que sair da estrada", afirmou Dal'Lago.
CRBM
Já existe um equipamento para detectar se o motorista está sob influência de drogas. O titular do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), coronel Fernando Alberto Moreira, disse que a corporação pretende comprar um desses. Segundo ele, se algum caminhoneiro for flagrado com o remédio moderador de apetite terá que apresentar a receita médica. "Caso contrário, é levado à DP, o comprimido apreendido, e ele terá que provar que pode continuar a dirigir para ser liberado."
Sindimercosul
O Sindicato dos Trabalhadores em Transporte de Carga Internacional considera que o uso de anfetaminas ou de drogas mais pesadas é consequência da carga horária desumana que o caminhoneiro tem que cumprir. O presidente da entidade, Jorge Frizzo, diz que as empresas contratam os fretes e estipulam os horários. Não se importam se a tabela é exequível. Muitas transportadoras aplicam multas aos profissionais que não conseguem cumprir o horário. "O profissional roda 27 horas e depois que descarrega tem que retornar ao Brasil com outra carga."
Setcergs
O presidente da entidade, Sérgio Neto, diz que o problema é de conhecimento de todos. O Setcergs, salienta ele, tem vários programas de combate ao uso tanto de drogas como do álcool. Segundo ele, quem usa mais o rebite ou a cocaína é o motorista autônomo, não os motoristas de uma empresa, que têm carteira de trabalho assinada. Ele considera um absurdo um motorista dirigir sob efeito de tóxicos, principalmente um veículo pesado como o caminhão. Neto elogiou a Lei do Descanso, considerando-a um marco para a categoria.
Encontro debate Lei do Motorista
A Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI) realizará, no dia 16 de maio, o Seminário do Transporte Internacional em Direito do Trabalho, com abordagem a lei 12.619 - Lei do Motorista. O evento contará com apoio do SEST Senat Uruguaiana e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do município. O objetivo é abrir espaço para debater a Lei do Motorista.
Farmácias argentinas denunciam
Apesar de ser considerado fácil conseguir comprar rebite na Argentina, os traficantes e caminhoneiros têm que vencer uma barreira antes de conseguir os comprimidos. Segundo João Odilei, caminhoneiro aposentado, morador de Uruguaiana, não é tão simples. Em Paso de Los Libres, os atendentes das farmácias ficam atentos e denunciam os brasileiros que compram os remédios para emagrecer.
fetropar

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